sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Está tudo bem, mãe,
estou só a esvair-me em sangue,
o sangue vai e vem,

tenho muito sangue.

Não tenho é paciência,
nem tempo que baste
(nem espaço), deixaste-me
pouco espaço para tanta existência.

Lembranças a menos
faziam-me bem,
e esquecimento também
e sangue e água a menos.

Teria cicatrizado
a ferida do lado,
e eu ressuscitado
pelo lado de dentro.

Que é o lado
por onde estou pregado,
sem mandamento
e sem sofrimento.

Nas tuas mãos
entrego o meu espírito,
seja feita a tua vontade,
e por aí adiante.

Que não se perturbe
nem intimide
o teu coração,
estou só a morrer em vão.


Manuel António Pina  (1948-2012)

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