Aqui ao lado há um texto sobre a pobreza.
Acrescentemos-lhe como complemento necessário algumas considerações sobre a
riqueza. Só a partir do momento em que a pobreza se tornou uma noção
exclusivamente económica é que se passou a opor, sem qualquer desvio, à
riqueza. O conceito de pobreza teve uma amplitude metafísica, hoje perdida, que
encontramos nos grandes místicos (por exemplo, no mestre Eckhart) e em
Espinosa, que nos fala da potentia da pobreza. Nesta aceção,
vinda das ordens religiosas, os pobres viviam da sua própria riqueza, da sua
perfeição intrínseca. E que riqueza era essa? A autonomia total, a força imensa
de quem não tem nada e não quer nada e, por isso, escapa à apropriação e à
lógica da propriedade. Assim entendida, a pobreza não se opõe à riqueza, mas à
miséria. Quando, porém, a pobreza se tornou uma noção económica, passou a
designar apenas o polo negativo da riqueza. E esta ficou exclusivamente
associada à vida burguesa que simula uma falsa plenitude. Porquê?
A pobreza era dona do tempo (ele era a única
coisa de que as ordens monásticas se apropriavam), mas os ricos burgueses são
hoje, por definição, consumidores de tempo que falta. Consomem dinheiro, muito
dinheiro, e como é sabido a regra a que obedecem é exatamente oposta à das
regras monásticas. É a regra que diz: “Tempo é dinheiro.” Nesta condição, não
há tempo que chegue, porque o dinheiro só é vivo se não parar a sua circulação
e acumulação. E, na medida em que só conhece o valor de troca, a forma moderna
de riqueza eliminou o valor de uso. Os ricos de hoje não possuem uma riqueza,
mas são possuídos por ela. Nada ilustra melhor esta situação do que o
capitalista que é um assalariado da sua própria empresa, com horário de
trabalho e gabinete de trabalho com vista para a miséria do mundo que é o microcosmos
empresarial.
António
Guerreiro, "Ao pé da letra", Expresso-Atual, Portugal
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