Gosto
particularmente do que diz uma personagem de Hans Christian Andersen: Pediram-lhe
para rezar, mas ele só se lembrava da tabuada.
Dois
tipos de fundamentalistas:
1.
O fundamentalista da lógica pura: pediram-me bondade, mas eu só me lembrava da
tabuada; pediram-me sabedoria, mas eu só me lembrava da tabuada, etc.
2.
O fundamentalista religioso: pediram-lhe a tabuada, mas ele so se lembrava
de rezar.
Há
muito que a Europa se instalou na tabuada. Por cima do mapa do Continente
poderíamos escrever simbolicamente
2x3=6
ou
a tabuada inteira, mas cometeríamos um sacrilégio se escrevêssemos uma oração,
por exemplo, Pai nosso que estais no Céu, Santificado seja o Vosso nome.
O
sacrilégio mudou de objecto.
Na
Europa, em 2013, o discurso religioso que conteste uma adição ou uma
multiplicação será apedrejado.
O
cineasta Herzog lembra que, num dos seus filmes rodado em África, elementos da
tribo massai não quiseram entrar num posto médico móvel porque este estava
elevado em relação ao chão. Por razões misteriosas, não se atrevem a subir
os degraus. Tentam entrar, hesitam e recuam. Só no final é que alguns massais
conseguem ultrapassar esse obstáculo invisível e subir os três degraus que
conduzem ao seu interior.
A
Europa, de uma forma geral, está assim. Não sobe os degraus; tem medo das
alturas, da pequena altitude que esses pequenos degraus inauguram. Com os pés
no chão ou em queda (sem chão por baixo): eis como se sente segura a Europa.
O
rapaz não ousa olhar-se no escuro, / mas sabe bem que deve afogar-se no sol / e habituar-se aos olhares do céu, para se fazer um homem - Cesare Pavese.
Gonçalo
M. Tavares in Jornal Público (03.01.2013)
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