Pegou no telefone e ligou-lhe. Há cerca de quinze anos que não ouvia a sua voz. Do outro lado respondeu-lhe a voz de um homem velho.
- Sou eu, disse.
Ele sabia.
- Então? perguntou.
Então o quê? Porque estaria a ligar? Não sabia. Conhecia-lhe a maneira de escrever, os símbolos que usava, as abreviaturas, os códigos, as reticências, as interjeições, os silêncios, os sorrisos, as indecisões, o humor, a tristeza, a exuberância, mas apenas o tinha visto uma vez.
Escreviam-se diariamente, há quinze anos.
Sabiam o que cada um estava a ler, os filmes que tinham visto, as peças de que tinham gostado, as viagens que tinham feito, os amores que tinham tido.
Escreviam-se diariamente, há quinze anos.
Encontraram-se uma vez, há quinze anos. Falaram de nada, mentiram, talvez. Falaram de amigos que não conheciam, de projectos que não tinham. De si, nada disseram. Beberam chá.
Nunca mais se viram. Porquê? Não souberam dar o passo seguinte. Não puderam. Estavam presos a fios como marionetes. Os outros manietavam-nos e eles deixavam. Também não queriam, não era importante. Já tinham percebido tanta coisa, porquê mais?
Quando pegou no telefone foi para que ele a ouvisse chorar, nada mais. Mas como dizer-lhe isso?
Pousou o auscultador.
Escreveu-lhe, como fazia há quinze anos: "Estou a morrer. A minha escrita não te tem transmitido isso. Podes continuar a escrever-me, a brincar comigo, a matar-me a solidão. Sabes as respostas que te iria dar. Escreve-as por mim. Tu sabes. Não te esqueças de colocar os sorrisos que tu não usas e que eu abuso".
Fechou o computador rapidamente para não ler a resposta.
"Não brinques".
Dela (2013)
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