Diário 1 . o principio da incerteza
Estou sentada naquele banco apertado de avião. Rodeada de pessoas com sentidos e propósitos de viagem diferentes. Estou
muito cansada mas sem sono.
O homem à minha frente está de pé… postura assumida
por quem tem nas viagens um estado repetido e faz questão que todos saibam
disso. Ele nem pensa que está sem chão, a centenas de kms de altitude. Eu, sinto o contrário. Aliás, esse é o único pensamento que não me sai da cabeça, desde que
entrei no avião e me sentei no banco apertado.
Ele também viaja sozinho mas conversa com
pessoas que nunca viu, claro, devido ao hábito e à quase banalidade de estar em tal
posição espacial. Está visivelmente stressado e partilha isso com os estranhos que
acabou de conhecer. Conta que ainda tem que apanhar um vôo para Salvador às 15h… está
preocupado porque com o atraso no primeiro embarque não sabe se haverá tempo
para fazer escala e chegar ao seu destino final. Oiço a conversa porque também eu vou para
Salvador, embora esse não seja o meu último destino. Será que fala do mesmo vôo
que eu? Mas há muito tempo para fazer a escala, penso. Por outro lado, olho para aquele homem de tez brilhante do suor que lhe escorre pelo rosto de barba grisalha e
pergunto-me, no meio da incerteza que se instalou em mim desde que deixei
Portugal, se não deveria, eu também, estar assim stressada.
Deixei de ter certezas; até nas mais
pequenas coisas eu não tenho certezas. Não sei nada. Ainda não cheguei ao Brasil mas já saí de Portugal: eu agora não sei nada.
Ele viaja de pé
no avião, conversa com estranhos naturalmente, fala brasileiro e vai para
Salvador… Ele agora é que sabe. Eu só estou no ar, sem chão, a voar, sem
fronteira.
Ainda não cheguei mas sei que já saí...
(julho 2011)
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