domingo, 13 de janeiro de 2013
Locomotion
Steven Pippin connected trip wires to a row of twelve front loading washing machines and proceeded to walk, run, and ride a horse through the laundromat, thus creating his own contemporary motion studies.
The elaborate and precise mechanism of the washing machine was a perfect system for making photographs. The eye of the machine (with the addition of an aluminium hood combining lens and shutter device) adapted to the transition of camera lens with the slightest of intervention. The pre-wash, rinse, main wash and final rinse cycles adapted to the chemical process of developer, rinse, fixer and final wash all of which were accurately temperature controlled.
Texto. Steven Pippin in Pictorial Troubleshooting
Foto. Walking without Trousers, Steven Pippin (1989)
alinhamentos divinos
aquele que vai morrer despede-se daquele que já está morto.
Gonçalo M. Tavares in Aprender a Rezar na Era da Técnica
Gonçalo M. Tavares in Aprender a Rezar na Era da Técnica
sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
de ontem
ontem pensei
muito em ti nas névoas de alecrim no anzol firmado no compromisso de antes na
verdade de hoje
não tenho
tempo para isto
não há tempo
para isto
nem para
mais nada
afoguei-me
agora para respirar melhor
ironia
quanto à
casa a semelhança com a de antes é pouca quase nenhuma não é perfeita mas é
temporária como tudo tu eu
irreconhecíveis
que somos
flores
humores de incansáveis curiosidades
passando a mão
pela suave promessa da ternura tua
(Set. 2012)
foto. ipê-roxo floresce solitário na imensidão da Floresta Nacional de Carajás
quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
dos sonhos
Talvez sejas a breve
recordação de um sonho
de que alguém (talvez tu) acordou
(não o sonho, mas a recordação dele),
um sonho parado de que restam
apenas imagens desfeitas, pressentimentos.
Também eu não me lembro,
também eu estou preso nos meus sentidos
sem poder sair. Se pudesses ouvir,
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos,
animais acossados e perdidos
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim,
desamarraram-me de mim e agora
só me lembro pelo lado de fora.
Manuel António Pina, in "Atropelamento e Fuga"
domingo, 6 de janeiro de 2013
Erra uma vez
nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez
paulo leminski
quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
sobre os tempos - fundamentalismos
Gosto
particularmente do que diz uma personagem de Hans Christian Andersen: Pediram-lhe
para rezar, mas ele só se lembrava da tabuada.
Dois
tipos de fundamentalistas:
1.
O fundamentalista da lógica pura: pediram-me bondade, mas eu só me lembrava da
tabuada; pediram-me sabedoria, mas eu só me lembrava da tabuada, etc.
2.
O fundamentalista religioso: pediram-lhe a tabuada, mas ele so se lembrava
de rezar.
Há
muito que a Europa se instalou na tabuada. Por cima do mapa do Continente
poderíamos escrever simbolicamente
2x3=6
ou
a tabuada inteira, mas cometeríamos um sacrilégio se escrevêssemos uma oração,
por exemplo, Pai nosso que estais no Céu, Santificado seja o Vosso nome.
O
sacrilégio mudou de objecto.
Na
Europa, em 2013, o discurso religioso que conteste uma adição ou uma
multiplicação será apedrejado.
O
cineasta Herzog lembra que, num dos seus filmes rodado em África, elementos da
tribo massai não quiseram entrar num posto médico móvel porque este estava
elevado em relação ao chão. Por razões misteriosas, não se atrevem a subir
os degraus. Tentam entrar, hesitam e recuam. Só no final é que alguns massais
conseguem ultrapassar esse obstáculo invisível e subir os três degraus que
conduzem ao seu interior.
A
Europa, de uma forma geral, está assim. Não sobe os degraus; tem medo das
alturas, da pequena altitude que esses pequenos degraus inauguram. Com os pés
no chão ou em queda (sem chão por baixo): eis como se sente segura a Europa.
O
rapaz não ousa olhar-se no escuro, / mas sabe bem que deve afogar-se no sol / e habituar-se aos olhares do céu, para se fazer um homem - Cesare Pavese.
Gonçalo
M. Tavares in Jornal Público (03.01.2013)
quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
A Miserável Riqueza
Aqui ao lado há um texto sobre a pobreza.
Acrescentemos-lhe como complemento necessário algumas considerações sobre a
riqueza. Só a partir do momento em que a pobreza se tornou uma noção
exclusivamente económica é que se passou a opor, sem qualquer desvio, à
riqueza. O conceito de pobreza teve uma amplitude metafísica, hoje perdida, que
encontramos nos grandes místicos (por exemplo, no mestre Eckhart) e em
Espinosa, que nos fala da potentia da pobreza. Nesta aceção,
vinda das ordens religiosas, os pobres viviam da sua própria riqueza, da sua
perfeição intrínseca. E que riqueza era essa? A autonomia total, a força imensa
de quem não tem nada e não quer nada e, por isso, escapa à apropriação e à
lógica da propriedade. Assim entendida, a pobreza não se opõe à riqueza, mas à
miséria. Quando, porém, a pobreza se tornou uma noção económica, passou a
designar apenas o polo negativo da riqueza. E esta ficou exclusivamente
associada à vida burguesa que simula uma falsa plenitude. Porquê?
A pobreza era dona do tempo (ele era a única
coisa de que as ordens monásticas se apropriavam), mas os ricos burgueses são
hoje, por definição, consumidores de tempo que falta. Consomem dinheiro, muito
dinheiro, e como é sabido a regra a que obedecem é exatamente oposta à das
regras monásticas. É a regra que diz: “Tempo é dinheiro.” Nesta condição, não
há tempo que chegue, porque o dinheiro só é vivo se não parar a sua circulação
e acumulação. E, na medida em que só conhece o valor de troca, a forma moderna
de riqueza eliminou o valor de uso. Os ricos de hoje não possuem uma riqueza,
mas são possuídos por ela. Nada ilustra melhor esta situação do que o
capitalista que é um assalariado da sua própria empresa, com horário de
trabalho e gabinete de trabalho com vista para a miséria do mundo que é o microcosmos
empresarial.
António
Guerreiro, "Ao pé da letra", Expresso-Atual, Portugal
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