Muito longe, na calçada, por baixo de um toldo vermelho, o
mais longe que conseguia ver, estavam dois homens a despedir-se. Um deles era
eu. De camisa branca suja, cabelo desgrenhado, barba por fazer. O outro, mais
baixo, chapéu triunfante e fato verde seco era o meu futuro chefe. Tinham
acabado de sair do Café Lunes onde os
observei durante horas. Eu estive quase sempre imóvel durante toda a conversa,
pelo menos, de onde observava assim me pareceu. Por outro lado, o meu futuro
chefe gesticulava entusiasmado. Tenho pena de não conseguir ouvir o que
falavam, mas como a mesa estava junto a um grande vidro pude gravar toda a
imagem muda na minha cabeça.
Quando o gordo me deixou, vi que tirei um cigarro do bolso,
que o acendi e o fumei na vertical. Mexia no cabelo. Parecia indiferente a
tudo. Cego.
Comecei a andar sem ver nada. Caminhava de noite. E eu sabia
que tinha sido sempre assim: ofuscado pela luz que me rodeava ou de olhos abertos
para o breu que me envolvia.
Segui-me lentamente com curiosidade por mim. Estava longe
para me conseguir guiar, então, apenas me acompanhei. Vi a minha alma
circundada por vultos sem rosto, bichos nocturnos, borboletas sem asas e
histórias sem memória.
Percebo, de longe, pela expressão do meu rosto, que estava
perdido. Algo dentro de mim puxava o meu ar, deixando-me despido num
desequilíbrio, só.
Decido andar calmamente na minha direção. Caminho inseguro
sobre uma estrutura falível que cairá a qualquer momento. Ou não.
Interrompo-me.
Pego em mim e mastigo-me vagarosamente. Sem pressa de me absorver.
"Eu não sou eu nem sou o outro"
ResponderEliminarMário de Sá Carneiro