sexta-feira, 23 de novembro de 2012

terça-feira, 20 de novembro de 2012

o criminoso que se faz de vítima


Há uma coisa estranha no conflito israelo-palestiniano: apesar de durar há décadas, os ataques israelitas são sempre apresentados como uma resposta a qualquer coisa. Ou seja, a história, que não tem fim e da qual já se perdeu o início, começa sempre a ser contada a partir de um qualquer ataque palestino. E assim se apresenta povo que não tem direito a um Estado, que está impedido de ter forças armadas, comércio externo, economia e território contíguo, que tem grande parte do seu território ilegalmente ocupado, que vive cercado por muros e humilhado dentro do seu próprio país e que não vê nenhuma das deliberações da ONU respeitada pelo seu vizinho como o agressor.

Mesmo para quem não conheça a realidade palestina - sobretudo em Gaza, onde mais de um milhão e meio de pessoas vive amontuada num gueto -, bastaria olhar para a desproporcionalidade dos ataques israelitas para perceber o absurdo desta narrativa. Perante uns rockets artesanais que mataram três israelitas as forças de Israel lançaram uma ofensiva que, em apenas oito dias, provocou noventa mortos e 720 feridos.

Mas a ofensiva mais recente não começou a semana passada nem é uma resposta a coisa alguma. Entre Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, foram mortos centenas de civis em Gaza. As repetidas incursões na faixa de Gaza provocaram, só no ano passado, 108 mortos e 468 feridos. Este ano, até esta ofensiva, e especialmente no mês de Setembro, os ataques israelitas a Gaza provocaram 55 mortos e 257 feridos.
Esta nova onda de violência ganhou uma nova escala com o assassinato, por Israel, do dirigente do Hamas Ahmed al-Jabari, quando este participava, através da mediação egípcia, na negociação para uma trégua nos confrontos. E não corresponde, ao contrário do que é dito pelo governo israelita, a uma reação, mas a um gesto político. A ofensiva militar israelita integra-se numa campanha para boicotar a iniciativa da OLP de propor a elevação do estatuto da representação diplomática da Palestina na ONU. E, tal como aconteceu no final de 2008, dá-se a poucos meses da realização de eleições em Israel. Ou seja, corresponde à criação de um ambiente internacional e interno que favoreça as posições mais radicais nos dois lados. Ambiente que, como se sabe, tem historicamente beneficiado as posições expansionistas do Estado de Israel e a impossibilidade da Palestina ter, como é seu direito, um Estado viável.

Estes ataques acontecem também poucos dias depois dos ataques israelitas ao território sírio e quando Israel pressiona para um maior isolamento internacional do Irão. Há anos que Israel aposta num ambiente crispado na região que lhe garanta um ainda maior apoio dos Estados Unidos e da Europa (se isso é possível).

Até quando pode tolerar a comunidade internacional um comportamento que sistematicamente viola todas as regras internacionais e que cria um ambiente insustentável para a paz numa região já por si tão sensível? Até quando continuará a comunidade internacional a tratar os palestinos como sub-humanos sem direito a tudo a que um povo tem direito? Até quando continuaremos a comprar a narrativa de um agressor crónico que se usa a má-consciência do Mundo para garantir a passividade internacional perante os seus crimes? Até quando continuaremos a justificar o injustificável?

Daniel Oliveira in Antes Pelo Contrário (Expresso, Portugal)

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Que Força é Essa


Que força é essa 
que força é essa 
que trazes nos braços 
que só te serve para obedecer 
que só te manda obedecer 
Que força é essa, amigo 
que força é essa, amigo 
que te põe de bem com outros 
e de mal contigo 

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O terror de ser outro



"O actor é um monstro, ou melhor, os monstros são actores-natos, siameses ou homens-tronco, porque encontram um papel no excesso ou no defeito que os aflige." 

Gilles Deleuze in L'Image Temps

Passagem

"Os camponeses do Ariane, que tinham uma granja para os lados de Montereau e conheciam bem a região, falavam de um domingo em que o trânsito havia parado durante cinco horas, mas esse tempo começava a parecer quase insignificante agora que o sol, pondo-se à esquerda do caminho, derramava em cada automóvel uma última avalanche de geleia laranja que fazia ferver os metais e ofuscava a vista, sem que jamais uma copa de árvore desaparecesse de todo para trás, sem que outra sombra apenas entrevista a distância se aproximasse como para poder sentir verdadeiramente que o cortejo se mexia ainda que muito pouco, embora fosse preciso parar e arrancar, e bruscamente travar sem nunca sair da primeira, da ultrajante desilusão de passar mais uma vez da primeira ao ponto morto, travão de pé, travão de mão, parar, e assim de novo, mais uma vez e mais outra."

Júlio Cortazar in A auto-estrada do Sul