terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Em Outubro de 2014

no que vemos
no que inventamos
no que escrevemos
há o sentido do ser.
o sentido de voltar,
de nunca ter saído
e de sempre regressar.
no que expressamos,
não criamos verdades
apenas a solidão
de existir todos os dias.
amanhã.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

chove

hoje penso em todas as mentes que através da fala e da palavra conseguem mexer no meu coração e trazer para mim toda a emoção da poesia




Chove...
mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir na chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

José Gomes Ferreira

terça-feira, 18 de novembro de 2014

(hoje a relembrar o meu querido M António Pina)

Entre a minha vida e a minha morte mete-se subitamente
A Atlética Funerária, Armadores, Casa Fundada em 1888.
A esse sítio acorrem então, aflitíssimos, o teu vago sorriso
e a vaga maneira como dizes os esses;
vêm de muito longe e chegam incompletamente
ao pequeno vulnerável sítio entre
toda a minha vida e toda a minha morte,
quando a minha última recordação atirou já com a porta
e tudo está acabado até a tua respiração
na cama ao meu lado,
e também tu estás morta,
duma forma que já não me importa. 
Vamos então os dois outra vez
ao longo de certas ruas sombrias e de certos dias
e sorris e falas alto; está calor mas tens as mãos frias,
compramos coisas, visitamos
talvez algum último amigo
sem sabermos que eu já não estou vivo. 
Poderia ter sido de outro modo?
Poderiam ter sido outras duas pessoas
vivendo a minha e a tua vida, morrendo a minha e a tua morte?
(Mesmo o armador, poderia ter sido outro?)
Aparentemente foi por pouco;
se fosse um pouco mais tarde ou um pouco mais cedo,
se eu não tivesse chegado a casa cansado,
se a louça não estivesse por lavar
e a janela da sala de jantar
não estivesse fechada, se o mundo não tivesse acabado,
nem tu tivesses ido ao supermercado,
e se eu não estivesse cheio de medo. 
Agora estou voltado para cima,
para onde cantas ainda há muito tempo.
Se calhar isto (alguma coisa) vai demorar mas já não me impaciento.
Voltamos, tu e eu, ao mesmo jardim desflorido
onde eu morro sozinho
e conversamos comigo
como com um desconhecido.
Que diremos agora um ao outro? 
É tarde. Ainda há um momento
me apetecia conversar, agora estou outra vez tão cansado!
Reparaste como o Outono este ano veio por outro lado,
como se fosse pelo lado de dentro? 

MANUEL ANTÓNIO PINA, in "FAREWELL HAPPY FIELDS"

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Tu vais e vens
Mas dentro de limites
Fixados por uma lei
Que não chega a ser tua.

Nós temos em comum
A experiência do muro.
guillevic

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

(pausa para ti)

Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: «Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?» Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.


Nuno Júdice

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O medo


Em verdade temos medo. 
Nascemos no escuro.
As existências são poucas;
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto. 
 
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos. 
 
Somos apenas uns homens e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes. 
 
Refugiamo-nos no amor,
Este célebre sentimento,
E o amor faltou: chovia,
Ventava, fazia frio em São Paulo.
 
Fazia frio em São Paulo…
Nevava.
O medo, com sua capa,
Nos dissimula e nos berça. 
 
Fiquei com medo de ti,
Meu companheiro moreno.
De nos, de vós, e de tudo.
Estou com medo da honra. 
 
Assim nos criam burgueses.
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos? 
 
Vem, harmonia do medo,
Vem ó terror das estradas,
Susto na noite, receio
De águas poluídas. Muletas 
 
do homem só.
Ajudai-nos, lentos poderes do
Láudano.
Até a canção medrosa se parte,
Se transe e cala-se.
 
Faremos casas de medo,
Duros tijolos de medo,
Medrosos caules, repuxos,
Ruas só de medo, e calma.
 
E com asas de prudência
Com resplendores covardes,
Atingiremos o cimo
De nossa cauta subida. 
 
O medo com sua física,
Tanto produz: carcereiros,
Edifícios, escritores,
Este poema; outras vidas.
 
Tenhamos o maior pavor.
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.
 
Adeus: vamos para a frente,
Recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes…
Fiéis herdeiros do medo,
 
Eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
Dançando o baile do medo.
 
Carlos Drummond  de Andrade

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

[vi]

já que sentir é primeiro
quem presta alguma atenção
à sintaxe das coisas
nunca há-de beijar-te por inteiro;

por inteiro ensandecer
enquanto a Primavera está no mundo
o meu sangue aprova,
e beijos são melhor fado
que sabedoria
senhora eu juro por toda a flor. Não chores
- o melhor movimento do meu cérebro vale menos que
o teu palpitar de pálpebras que diz
somos um para o outro: então
ri, reclinada nos meus braços
que a vida não é um parágrafo
e a morte julgo nenhum parêntesis

e. e. cummings
xix poemas

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

the fall

Walking is defined by an 'inverted pendulum' gait in which the body vaults over the stiff limb or limbs with each step. It can also be described as a constant fall.

Eadweard Muybridge (Animal Locomotion, Plate 700, 1887). Ostrich








quinta-feira, 3 de julho de 2014

O Dardo

Existe o corpo,
o eixo dos joelhos, as dobras,
a força teatral dos membros, o gosto acre,
o extremo silêncio,
as mãos pendentes.
Existe o mundo,
as savanas e o iceberg,
as horas velozes, o falcão,
o crescimento secreto
das plantas, o repouso dos objetos
que envelhecem no uso, sem dor.
Existe o poema,
um dardo atirado a coisas mínimas,
à noite, às cicatrizes.
Um secreto amor os une,
as mãos na água, a memória do verão,
o poema ao sol.

A.M.Marques

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Faz-se Luz

Fernando Lemos
















Faz-se luz pelo processo 
de eliminação de sombras 
Ora as sombras existem 
as sombras têm exaustiva vida própria 
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela 
intensamente amantes loucamente amadas 
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta 
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem
Por outro lado a sombra dita a luz 
não ilumina realmente os objectos 
os objectos vivem às escuras 
numa perpétua aurora surrealista 
com a qual não podemos contactar 
senão como amantes de olhos fechados 
e lâmpadas nos dedos e na boca

Mário Cesariny, in "Pena Capital" | Fernando Lemos

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Lenz


A Gutzkow

Estrasburgo, 1836

Reformar a sociedade por meio das ideias, a partir da classe culta? Impossível! 
A nossa época é absolutamente materialista. Se se dedicasse à acção política directa, você jamais poderia ultrapassar a fronteira que separa a sociedade culta da inculta. Em questões sociais, há que partir do seguinte princípio jurídico: tentar a formação de uma nova vida cultural popular e mandar para o diabo esta caduca sociedade moderna. Que faz uma coisa assim entre o céu e a terra? Apresenta-se como modelo e passa a vida exclusivamente a tentar livrar-se do mais espantoso aborrecimento. Que morra: é a única novidade que ainda pode experimentar.


​G.Buchner, LENZ 

terça-feira, 15 de abril de 2014

(para a mãe no 15 de abril dela)




















Hoje queria escrever-te em silêncio.
Queria escrever-te com um gesto.
Perto. Próximo. De nós duas.

Hoje queria escrever-te com um olhar.
Queria escrever-te com um instante.
Perto. Próximo. De nós.

Hoje queria escrever-te sem fronteiras.
Queria escrever-te sem linhas.
Aqui e agora.

Hoje estou em silêncio na minha falta em ti.

Estou cheia de linhas e contra linhas,
de chão, de tecto,
de barreiras.
Tudo a ser rompido por esse meu amor inesgotável
que sinto por ti.

Somos nós. Juntas.
Que fazemos o mundo ser redondo, quadrado ou abstracto.
Somos nós. Juntas.
Que fazemos o sonho real, irreal ou trémulo.
Somos nós. Juntas.
Que nos fazemos ser e ser de novo e mais uma vez,
outra vez.

Da saudade só o silêncio.
Da falta só o olhar.
De mim só tu.

Aqui. Agora. E para sempre.

quinta-feira, 27 de março de 2014


aterrorizado outra vez
de não amar
de amar e não seres tu
de ser amado e não ser por ti
samuel beckett

domingo, 2 de março de 2014

"somos seres olhados"



















Foto: Augusto Barros

(...)

Quem me olha desse lado
e deste lado de mim?
As minhas dúvidas, até elas te pertencem?

M.A.P. em O Caminho de Casa (1989) 

sábado, 1 de março de 2014

ao meu avô

mais abaixo 
o poema maravilhoso que li, ao acordar, e que dedico ao meu queridíssimo avô:
amor meu que faz hoje 89 anos e de quem tenho saudades. 
saudades.
saudades.
saudades das suas mãos,
das suas frases 
e das suas preocupações 
pelo mundo, 
pelas gentes
pelo tempo 
pela vida.

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(…)

Está-se a fingir muito bem.
Finge-se quase até ao esquecimento.
Há paisagens, ruas, cinemas, amores, dinheiro,
pensamentos, palavras, estações do ano
e obras de arte.

Diz-se: a vida.

Ou: o tempo.

E um dia abre-se o livro
e vê-se de novo a fotografia.
E já não se recomeça a leitura no mesmo ponto.
O que se roubou foi o tempo,
sim, mas não naquele primeiro sentido suposto.
A antiquíssima imagem fixa
serve para se roubar ao tempo a sua qualidade de perdão.

Porque a idade não ensina a anuência aos bons
e fáceis sentimentos.
A idade é: cada vez mais atenção.
Só te resta isso, caminhador:
o perigo.
O perigo que é o conhecimento,
o conhecimento ganho na atenção.

Um homem que conquistou a sua idade
não pára diante da fotografia antiga
para se comover e murmurar:
a mãe com o seu filho ou o filho com a sua mãe.

Ele pensa: quem são?
o que fazem um ao outro?
Ele ouve:
vou morrer, e vou deixar-vos descansados.
E ouve a sua própria voz:
então morra.

E as mãos inocentes.

De uma delas sabe que se moveu
como se agarrasse um punhal
— a pequena mão inocente registada com oito anos.

Descanso?
Mas isso conhecia ela bem que seria impossível.
O que ela dizia era assim:
morro para que tu, tu, tu,
não tenhas nenhuma espécie de descanso.

Um pouco mais, um pouco mais
— é para isso que as imagens são imóveis.
Tu próprio não és uma criatura móvel,
a menos que fales em atenção,
em profundidade.

Desce àquilo em que te encontras imóvel.

Mas em vez disso saímos para a rua,
à procura dos velhos companheiros:
os que se vão suicidar,
os que se encontram à entrada do seu irrevogável romance de esquizofrenia,
os que de longe escreverão uma carta
pedindo para os ajudarmos a virem morrer nesta cidade branca
que, do outro lado,
quando se está com o fígado desfeito e a cabeça a tremer,
a gente imagina metaforicamente aérea,
varrida por ventos puros.

Saímos em busca dos bêbados.

Pretende-se a ilusão de espaços dinâmicos,
figuras que se propaguem através deles,
o empolgante cinetismo das visões,

E que haja tempo, o tempo, o tempo.

Que as coisas avancem,
desfazendo os nós ferozes onde a angústia se concentrou.

Uma semana de bebedeira ininterrupta
— e aparecem as amiguinhas,
vamos todos de um lado para outro,
bando apocalíptico,
animado por um furor malsão, uma alegria brutal.

Arranjamos um quarto,
despimo-nos,
e depois estamos noutro quarto,
e estamos a despir-nos,
e de novo a fazer amor,
quatro, seis, oito em cima do tapete —
o terrível milagre de uma alucinação de pernas,
braços, seios, mãos, sexos, coxas, cabeças, vestidos, camisas.

E uma madrugada, só,
vagueando pelos cais desertos,
no meio da luz suja e trémula,
ressurge o horror da inteligência.

Vê-se tudo, e seria preciso morrer.

E então volta-se para casa,
procura-se a fotografia no livro,
no fundo de uma gaveta,
e está lá isto: o tempo não existe.

Seria possível uma pequena piedade por nós próprios,
mas somos tão pouco sentimentais,
nós.

Não gostamos da piedade.

Descobre-se que a mãe não era para piedades.
A perversa cabeça infantil
entra nela como um punhal,
e a mãe, sem conhecer o peso do braço do cavalheiro,
olha o espaço, de lado, neutra,
ligada àquela espécie de enigmático crime,
à obscura vingança
no outro lado da sua profecia do descanso para eles, para ele, ele
— para ti.

Decifrando a metáfora,
percorrendo os caminhos para descobrir as deslocações das partes
e, assim, recompor a verdade do texto
— a fotografia, a realidade, a vida
— ele descobre que toda a gente tem as mãos cheias
de sangue.

Que nada foi criado
que o não fosse no abismo das destruições.
E entendendo enfim a linguagem das fotografias,
ele assume a sua desgraça,
e a insignificância dela,
e supõe poder avançar,
liberto,
para a sua própria morte,
algures num tempo.

(…)

herberto helder
apresentação do rosto

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

adventures

Actually,
the best
gift you
could have
given her
was a lifetime
of adventures...

Lewis Carrol

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

descrição da mentira


(…)

Que sabes tu da mentira, que sabes tu das substâncias suportáveis?

Como entrareis na minha paciência? A minha língua é velha em
duas cascas. Amo e não desejo.

Como entrareis na minha paciência? Inclusive tu, se não envelhe-
ceres, como me entregarás a tua juventude?
(…)

antonio gamoneda

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

(1967 - 2014)
















É necessário roubar o protagonismo a Deus.
Trazer o envelope cheio de acontecimentos
e apresentá-lo a todos, ao público,

ali, no palco.
é necessário abrir o envelope como se o animal só tivesse bico,
mas fosse hábil e delicado.
Porque alguém escreveu a carta antes (talvez o escritor)
e o actor não deve ler, deve ser: ou seja: subtil como o crescimento das plantas.
E como não há tempo para ser perfeito,
nem electrodomésticos para os sentimentos,
o importante é mesmo o genuíno animal ser genuíno. E assim quem vê vai ver.


Gonçalo M. Tavares, "A Colher de Samuel Beckett e outros textos", 2002

sábado, 25 de janeiro de 2014

As plantas do nosso jardim
















Ele acorda cedo. Mais cedo que eu. Vê as plantas do jardim antes de mim. Cuida delas sem mim. Mas quando eu acordo, chama-me até elas. Faz-me olhá-las e ver do que um jardim é capaz: a planta com as flores rosa, que carinhosamente no Brasil se chama de "Amor Agarradinho", morreu quando ele esteve ausente durante dez dias, os pés de tomate entrelaçaram-se com as folhas da árvore de pitanga, o alho francês cresceu só em cima, os oregãos morreram no Inverno e vieram em força no Verão sem termos feito nada, o manjericão ficou doente e não há forma de se recuperar e há um dia do mês em que acordamos e uma orquídea branca se abre linda para se fechar logo depois. Ele olha a orquídea aberta, fascinado, durante minutos e minutos e entusiasma-me ver algo que nunca repararia se não fosse ele. 

No nosso jardim ele rega as plantas quando o sol se põe, eu ajudo com a mangueira de vez em quando, quando ela se enrola e a água não passa, ele propõe um túnel de suculentas e cuida até das mais pequenas.

Um jardim que é dele e que por isso é nosso. Um jardim que ele me ensina a ver a cada dia e que eu guardo cada instante.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

The Headless Woman

Because it’s not about amnesia. It’s about when you lose the link between things, and the link between a thing and what it means to you. It’s more of a shock. You know it’s a table, but you’re not sure what the table is for. I know that I know you, and I know that you’re a part of my family, but I don’t know if I hate you or love you. 

I also didn’t want to link her with the idea of guilt. It doesn’t work. It’s useless to think deeply about perception and human beings and then to think about being guilty or not guilty. If you use the word “guilt,” you’re saying there is something precise, that there is a reality, and I’m not sure about that. The Headless Woman is not about a woman who feels guilty; it’s about a woman whose worlds are nearing collapse.

Lucrecia Martel sobre "A Mulher sem Cabeça" (http://www.reverseshot.com/article/interview_lucrecia_martel)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Inaugurar sentimentos, o amor por vir

Visão, possessão, vazio. Errância, pobreza, ódio. Rebelde, comunidade. Ou pensamento. Escrita. Amor sem significação óbvia nem outra. As palavras vivem de serem vivas, da decisão que as possui, do arrebatamento interior, de não serem bens, propriedades, objectos que se usam e nos desgastam, mas intensidades, sopros onde os corpos se deslocam e se encontram. Amantes.

Silvina Rodrigues Lopes, "Teoria da Des-possessão (Sobre Textos de Maria Gabriela Llansol), Averno, 2014

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

As coisas que procuro

As coisas que procuro
Não têm nome
A minha fala de amor
Não tem segredo.

Perguntam-me se quero
A vida ou a morte.
E perguntam-me sempre
Coisas duras.

Tive casa e jardim.
E rosas no canteiro.
E nunca perguntei
Ao jardineiro
O porquê do jasmim
- Sua brancura, o cheiro.

Queiram-me assim.
Tenho sorrido apenas.
E o mais certo é sorrir
Quando se tem amor
Dentro do peito.

(Hilda Hilst)

domingo, 5 de janeiro de 2014

entra o ano

Ser amigo de uma pessoa nobre e fazer ginástica, eis duas das mais belas coisas que existem no mundo. Dançar e encontrar alguém que prenda a minha atenção são para mim uma e a mesma coisa. Gosto tanto de pôr osbraços e as pernas e os espíritos em movimento. Já só balançar as pernas é tão engraçado! Fazer ginástica também é estúpido, não leva a nada! Será que tudo aquilo de que eu gosto e prefiro não leva a nada?

Robert Walser in 
Jakob van Gunten, 2005