quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Emerald

(...)

Sometimes i miss home.
I heard he's waiting for me.
20 years and he still hasn't gotten married.

I want to visit the Ficheries Department.
There is a park with trees pruned into animal shapes.
It's a hot spot for lovers do make out under the animal-shaped trees.

I even wrote a poem for him.
How does it go?

Oh, love bud, how I've watched you grow
Oh, love bud, how I've watched you grow
Will you blossom for me to see
to smell your forbidden scent?
As time passes…
I… I…

What's next?
I can't remember.


sábado, 26 de janeiro de 2013

Aparador

Sonho que estou de volta
ao primeiro apartamento
quando éramos jovens e tínhamos
muito menos coisas
e nem sabíamos que já éramos
felizes como pensávamos que seríamos
estás na minha memória
jovem e alegre como numa fotografia
talvez ainda mais jovem e mais alegre
mais jovem do que jamais foste
e mais alegre
usas uma presilha
no cabelo castanho e comprido
invejo a presilha
que está tão mais próxima do que eu
do teu pensamento
e dos teus cabelos
da tua cabeça de cabelo e pensamento
e invejo a fotografia
que se parece tanto contigo
talvez mais ainda do que tu mesma
ouço as juntas que estalam
como portas batendo
sou hoje uma chaleira, uma pá, uns óculos
esquecidos sobre o aparador
sou o aparador
esquecido de mim mesmo
sobre o aparador está tua fotografia
que nos sobreviverá











Poema: Ana Martins Marques in A Folha de São Paulo
Frame: Sangue, Pedro Costa (1989)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O poço e a pele

Retrato
A pele era o que de mais solitário havia no seu corpo.
Há quem, tendo-a metida
num cofre até às mais fundas raízes,
simule não ter pele, quando
de facto ela não está
senão um pouco atrasada em relação ao coração.
Com ele porém não era assim.
A pele ia imitando o céu como podia.
Pequena, solitária, era uma pele metida
consigo mesma e que servia
de poço, onde além de água ele procurara protecção.

Luis Miguel Nava in Colóquio/Letras - Fundação Calouste Gulbenkian (1988)

domingo, 13 de janeiro de 2013

Locomotion



















Steven Pippin connected trip wires to a row of twelve front loading washing machines and proceeded to walk, run, and ride a horse through the laundromat, thus creating his own contemporary motion studies.

The elaborate and precise mechanism of the washing machine was a perfect system for making photographs. The eye of the machine (with the addition of an aluminium hood combining lens and shutter device) adapted to the transition of camera lens with the slightest of intervention. The pre-wash, rinse, main wash and final rinse cycles adapted to the chemical process of developer, rinse, fixer and final wash all of which were accurately temperature controlled.


Texto. Steven Pippin in Pictorial Troubleshooting
Foto. Walking without Trousers, Steven Pippin (1989)

alinhamentos divinos

aquele que vai morrer despede-se daquele que já está morto.


Gonçalo M. Tavares in Aprender a Rezar na Era da Técnica

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

de ontem


ontem pensei muito em ti nas névoas de alecrim no anzol firmado no compromisso de antes na verdade de hoje

não tenho tempo para isto
não há tempo para isto
nem para mais nada

afoguei-me agora para respirar melhor
ironia

quanto à casa a semelhança com a de antes é pouca quase nenhuma não é perfeita mas é temporária como tudo tu eu
irreconhecíveis que somos  
flores humores de incansáveis curiosidades
passando a mão pela suave promessa da ternura tua

(Set. 2012)



foto. ipê-roxo floresce solitário na imensidão da Floresta Nacional de Carajás 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

dos sonhos



Talvez sejas a breve 
recordação de um sonho 
de que alguém (talvez tu) acordou 
(não o sonho, mas a recordação dele), 
um sonho parado de que restam 
apenas imagens desfeitas, pressentimentos. 
Também eu não me lembro, 
também eu estou preso nos meus sentidos 
sem poder sair. Se pudesses ouvir, 
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos, 
animais acossados e perdidos 
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim, 
desamarraram-me de mim e agora 
só me lembro pelo lado de fora. 

Manuel António Pina, in "Atropelamento e Fuga"

domingo, 6 de janeiro de 2013

Erra uma vez


         nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
        já cometo duas três
quatro cinco seis
       até esse erro aprender 
que só o erro tem vez


paulo leminski

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

sobre os tempos - fundamentalismos


Gosto particularmente do que diz uma personagem de Hans Christian Andersen: Pediram-lhe para rezar, mas ele só se lembrava da tabuada.

Dois tipos de fundamentalistas:

1. O fundamentalista da lógica pura: pediram-me bondade, mas eu só me lembrava da tabuada; pediram-me sabedoria, mas eu só me lembrava da tabuada, etc.

2. O fundamentalista religioso: pediram-lhe a tabuada, mas ele so se lembrava de rezar. 


Há muito que a Europa se instalou na tabuada. Por cima do mapa do Continente poderíamos escrever simbolicamente
2x3=6
ou a tabuada inteira, mas cometeríamos um sacrilégio se escrevêssemos uma oração, por exemplo, Pai nosso que estais no Céu, Santificado seja o Vosso nome.

O sacrilégio mudou de objecto.
Na Europa, em 2013, o discurso religioso que conteste uma adição ou uma multiplicação será apedrejado.

O cineasta Herzog lembra que, num dos seus filmes rodado em África, elementos da tribo massai não quiseram entrar num posto médico móvel porque este estava elevado em relação ao chão. Por razões misteriosas, não se atrevem a subir os degraus. Tentam entrar, hesitam e recuam. Só no final é que alguns massais conseguem ultrapassar esse obstáculo invisível e subir os três degraus que conduzem ao seu interior.

A Europa, de uma forma geral, está assim. Não sobe os degraus; tem medo das alturas, da pequena altitude que esses pequenos degraus inauguram. Com os pés no chão ou em queda (sem chão por baixo): eis como se sente segura a Europa.
O rapaz não ousa olhar-se no escuro, / mas sabe bem que deve afogar-se no sol / e habituar-se aos olhares do céu, para se fazer um homem - Cesare Pavese.

Gonçalo M. Tavares in Jornal Público (03.01.2013)

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A Miserável Riqueza


Aqui ao lado há um texto sobre a pobreza. Acrescentemos-lhe como complemento necessário algumas considerações sobre a riqueza. Só a partir do momento em que a pobreza se tornou uma noção exclusivamente económica é que se passou a opor, sem qualquer desvio, à riqueza. O conceito de pobreza teve uma amplitude metafísica, hoje perdida, que encontramos nos grandes místicos (por exemplo, no mestre Eckhart) e em Espinosa, que nos fala da potentia da pobreza. Nesta aceção, vinda das ordens religiosas, os pobres viviam da sua própria riqueza, da sua perfeição intrínseca. E que riqueza era essa? A autonomia total, a força imensa de quem não tem nada e não quer nada e, por isso, escapa à apropriação e à lógica da propriedade. Assim entendida, a pobreza não se opõe à riqueza, mas à miséria. Quando, porém, a pobreza se tornou uma noção económica, passou a designar apenas o polo negativo da riqueza. E esta ficou exclusivamente associada à vida burguesa que simula uma falsa plenitude. Porquê?

A pobreza era dona do tempo (ele era a única coisa de que as ordens monásticas se apropriavam), mas os ricos burgueses são hoje, por definição, consumidores de tempo que falta. Consomem dinheiro, muito dinheiro, e como é sabido a regra a que obedecem é exatamente oposta à das regras monásticas. É a regra que diz: “Tempo é dinheiro.” Nesta condição, não há tempo que chegue, porque o dinheiro só é vivo se não parar a sua circulação e acumulação. E, na medida em que só conhece o valor de troca, a forma moderna de riqueza eliminou o valor de uso. Os ricos de hoje não possuem uma riqueza, mas são possuídos por ela. Nada ilustra melhor esta situação do que o capitalista que é um assalariado da sua própria empresa, com horário de trabalho e gabinete de trabalho com vista para a miséria do mundo que é o microcosmos empresarial.

António Guerreiro, "Ao pé da letra", Expresso-Atual, Portugal