sábado, 25 de janeiro de 2014

As plantas do nosso jardim
















Ele acorda cedo. Mais cedo que eu. Vê as plantas do jardim antes de mim. Cuida delas sem mim. Mas quando eu acordo, chama-me até elas. Faz-me olhá-las e ver do que um jardim é capaz: a planta com as flores rosa, que carinhosamente no Brasil se chama de "Amor Agarradinho", morreu quando ele esteve ausente durante dez dias, os pés de tomate entrelaçaram-se com as folhas da árvore de pitanga, o alho francês cresceu só em cima, os oregãos morreram no Inverno e vieram em força no Verão sem termos feito nada, o manjericão ficou doente e não há forma de se recuperar e há um dia do mês em que acordamos e uma orquídea branca se abre linda para se fechar logo depois. Ele olha a orquídea aberta, fascinado, durante minutos e minutos e entusiasma-me ver algo que nunca repararia se não fosse ele. 

No nosso jardim ele rega as plantas quando o sol se põe, eu ajudo com a mangueira de vez em quando, quando ela se enrola e a água não passa, ele propõe um túnel de suculentas e cuida até das mais pequenas.

Um jardim que é dele e que por isso é nosso. Um jardim que ele me ensina a ver a cada dia e que eu guardo cada instante.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

The Headless Woman

Because it’s not about amnesia. It’s about when you lose the link between things, and the link between a thing and what it means to you. It’s more of a shock. You know it’s a table, but you’re not sure what the table is for. I know that I know you, and I know that you’re a part of my family, but I don’t know if I hate you or love you. 

I also didn’t want to link her with the idea of guilt. It doesn’t work. It’s useless to think deeply about perception and human beings and then to think about being guilty or not guilty. If you use the word “guilt,” you’re saying there is something precise, that there is a reality, and I’m not sure about that. The Headless Woman is not about a woman who feels guilty; it’s about a woman whose worlds are nearing collapse.

Lucrecia Martel sobre "A Mulher sem Cabeça" (http://www.reverseshot.com/article/interview_lucrecia_martel)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Inaugurar sentimentos, o amor por vir

Visão, possessão, vazio. Errância, pobreza, ódio. Rebelde, comunidade. Ou pensamento. Escrita. Amor sem significação óbvia nem outra. As palavras vivem de serem vivas, da decisão que as possui, do arrebatamento interior, de não serem bens, propriedades, objectos que se usam e nos desgastam, mas intensidades, sopros onde os corpos se deslocam e se encontram. Amantes.

Silvina Rodrigues Lopes, "Teoria da Des-possessão (Sobre Textos de Maria Gabriela Llansol), Averno, 2014

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

As coisas que procuro

As coisas que procuro
Não têm nome
A minha fala de amor
Não tem segredo.

Perguntam-me se quero
A vida ou a morte.
E perguntam-me sempre
Coisas duras.

Tive casa e jardim.
E rosas no canteiro.
E nunca perguntei
Ao jardineiro
O porquê do jasmim
- Sua brancura, o cheiro.

Queiram-me assim.
Tenho sorrido apenas.
E o mais certo é sorrir
Quando se tem amor
Dentro do peito.

(Hilda Hilst)

domingo, 5 de janeiro de 2014

entra o ano

Ser amigo de uma pessoa nobre e fazer ginástica, eis duas das mais belas coisas que existem no mundo. Dançar e encontrar alguém que prenda a minha atenção são para mim uma e a mesma coisa. Gosto tanto de pôr osbraços e as pernas e os espíritos em movimento. Já só balançar as pernas é tão engraçado! Fazer ginástica também é estúpido, não leva a nada! Será que tudo aquilo de que eu gosto e prefiro não leva a nada?

Robert Walser in 
Jakob van Gunten, 2005