segunda-feira, 21 de abril de 2014

Faz-se Luz

Fernando Lemos
















Faz-se luz pelo processo 
de eliminação de sombras 
Ora as sombras existem 
as sombras têm exaustiva vida própria 
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela 
intensamente amantes loucamente amadas 
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta 
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem
Por outro lado a sombra dita a luz 
não ilumina realmente os objectos 
os objectos vivem às escuras 
numa perpétua aurora surrealista 
com a qual não podemos contactar 
senão como amantes de olhos fechados 
e lâmpadas nos dedos e na boca

Mário Cesariny, in "Pena Capital" | Fernando Lemos

domingo, 20 de abril de 2014

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Lenz


A Gutzkow

Estrasburgo, 1836

Reformar a sociedade por meio das ideias, a partir da classe culta? Impossível! 
A nossa época é absolutamente materialista. Se se dedicasse à acção política directa, você jamais poderia ultrapassar a fronteira que separa a sociedade culta da inculta. Em questões sociais, há que partir do seguinte princípio jurídico: tentar a formação de uma nova vida cultural popular e mandar para o diabo esta caduca sociedade moderna. Que faz uma coisa assim entre o céu e a terra? Apresenta-se como modelo e passa a vida exclusivamente a tentar livrar-se do mais espantoso aborrecimento. Que morra: é a única novidade que ainda pode experimentar.


​G.Buchner, LENZ 

terça-feira, 15 de abril de 2014

(para a mãe no 15 de abril dela)




















Hoje queria escrever-te em silêncio.
Queria escrever-te com um gesto.
Perto. Próximo. De nós duas.

Hoje queria escrever-te com um olhar.
Queria escrever-te com um instante.
Perto. Próximo. De nós.

Hoje queria escrever-te sem fronteiras.
Queria escrever-te sem linhas.
Aqui e agora.

Hoje estou em silêncio na minha falta em ti.

Estou cheia de linhas e contra linhas,
de chão, de tecto,
de barreiras.
Tudo a ser rompido por esse meu amor inesgotável
que sinto por ti.

Somos nós. Juntas.
Que fazemos o mundo ser redondo, quadrado ou abstracto.
Somos nós. Juntas.
Que fazemos o sonho real, irreal ou trémulo.
Somos nós. Juntas.
Que nos fazemos ser e ser de novo e mais uma vez,
outra vez.

Da saudade só o silêncio.
Da falta só o olhar.
De mim só tu.

Aqui. Agora. E para sempre.