Preciso que
me reconheçam
que me digam Olá
e Bom dia
mais que de espelhos
preciso dos outros
para saber
que eu sou eu
adília lopes
caras baratas
antologia
relógio d´água
2004
Preciso que
me reconheçam
que me digam Olá
e Bom dia
mais que de espelhos
preciso dos outros
para saber
que eu sou eu
Se estou louco, tudo bem para mim, pensou Moses Herzog. Algumas pessoas achavam que ele não estava a regular bem e por um tempo ele mesmo tinha questionado a sua sanidade. Mas agora, embora continuasse a comportar-se de forma estranha, sentia-se confiante, animado, clarividente, forte. Em estado de graça, estava a escrever cartas para toda a gente sob o sol. Estava tão agitado por essas cartas que, desde o final de Junho, ia de um sítio para outro com uma valise cheia de papéis. Tinha carregado essa valise de Nova York a Martha's Vineyard, mas voltara a Vineyard imediatamente; dois dias depois voou para Chicago, e de Chicago foi para um vilarejo no oeste de Massachusetts. Escondido no campo, escreveu incessantemente, fanaticamente, aos jornais, a pessoas da vida pública, a amigos e parentes e, por último, para os mortos, para os seus próprios mortos obscuros e finamente para os mortos famosos.
Início de "Herzog" de Saul Bellow
Terá chovido durante cem dias e a água infiltrada
pelas raízes das ervas
chegou à biblioteca banhando as palavras santas
guardadas no convento.
Quando tornou o bom tempo,
Sajat-Novà o frade mais jovem
levou os livros todos por uma escada até ao telhado
e abriu-os ao sol para que o ar quente
enxugasse o papel molhado.
Um mês de boa estação passou
e o frade de joelhos no claustro
esperava dos livros um sinal de vida.
Uma manhã finalmente as páginas começaram
a ondular ligeiras no sopro do vento
parecia que tinha chegado um enxame aos telhados
e ele chorava porque os livros falavam.
Tonino Guerra, in O Mel, Assírio e Alvim, Lisboa 2004