sexta-feira, 20 de julho de 2012

Cego

Muito longe, na calçada, por baixo de um toldo vermelho, o mais longe que conseguia ver, estavam dois homens a despedir-se. Um deles era eu. De camisa branca suja, cabelo desgrenhado, barba por fazer. O outro, mais baixo, chapéu triunfante e fato verde seco era o meu futuro chefe. Tinham acabado de sair do Café Lunes onde os observei durante horas. Eu estive quase sempre imóvel durante toda a conversa, pelo menos, de onde observava assim me pareceu. Por outro lado, o meu futuro chefe gesticulava entusiasmado. Tenho pena de não conseguir ouvir o que falavam, mas como a mesa estava junto a um grande vidro pude gravar toda a imagem muda na minha cabeça.


Quando o gordo me deixou, vi que tirei um cigarro do bolso, que o acendi e o fumei na vertical. Mexia no cabelo. Parecia indiferente a tudo. Cego.


Comecei a andar sem ver nada. Caminhava de noite. E eu sabia que tinha sido sempre assim: ofuscado pela luz que me rodeava ou de olhos abertos para o breu que me envolvia.


Segui-me lentamente com curiosidade por mim. Estava longe para me conseguir guiar, então, apenas me acompanhei. Vi a minha alma circundada por vultos sem rosto, bichos nocturnos, borboletas sem asas e histórias sem memória.


Percebo, de longe, pela expressão do meu rosto, que estava perdido. Algo dentro de mim puxava o meu ar, deixando-me despido num desequilíbrio, só.


Decido andar calmamente na minha direção. Caminho inseguro sobre uma estrutura falível que cairá a qualquer momento. Ou não.


Interrompo-me.


Pego em mim e mastigo-me vagarosamente. Sem pressa de me absorver.


A guerra tinha começado e eu não tinha dado por isso...











Painting: Amedeo Modigliani - Leopold Zborowski 4

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