Isabel Allende in Aphrodite
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Pegue dois pombos correios e torça seu pescoço sem compaixão. Antes que fiquem rígidos e você sinta problemas de consciência, coloque-os em água fervente por três minutos, retire-os e, ainda quentes, arranque suas penas. Passe-as pela chama do gás para queimar as peninhas que tenham ficado grudadas. Corte as patas, a cabeça e tire as vísceras com um corte na barriga. Tempere-os com manteiga, limão, sal e pimenta abundante e deixe que repousem o justo sono dos mortos por vinte e quatro horas. Espete um cravo em um dente de alho e este dentro de uma cebola nova, que por sua vez deverá ser enrolada em uma tira de toucinho. (Repita a operação, porque vai precisar de dois recheios.) Introduza as cebolas assim preparadas dentro das aves e feche a abertura com um palito. Verta em cima uma taça de bom conhaque (quente e flambe. Quando a chama apagar, cozinhe os pombos por meia hora no forno quente, borrifando-os com licor e manteiga derretida à vontade. Sirva com batatas-doces e cenouras gratinadas e, naturalmente, acompanhados de um bom vinho branco.
sábado, 27 de abril de 2013
Senhor Juarroz
O relógio
O SENHOR JUARROZ pensou num relógio que em vez de mostrar o tempo mostrasse o espaço. Um relógio onde o ponteiro maior indicasse no mapa o local preciso onde a pessoa se encontrava num determinado instante.
- Então, e o ponteiro pequeno? O que indica? - perguntou a esposa.
- A localização de Deus. - respondeu o senhor Juarroz.
A morte de Deus
O SENHOR JUARROZ pensou num Deus que, em vez de nunca aparecer, aparecesse, pelo contrário, todos os dias, a toda a hora, a tocar à campainha.
Depois de muito meditar sobre esta hipótese o Senhor Juarroz decidiu desligar o quadro da electricidade.
Gonçalo M. Tavares in O Senhor Juarroz
O SENHOR JUARROZ pensou num relógio que em vez de mostrar o tempo mostrasse o espaço. Um relógio onde o ponteiro maior indicasse no mapa o local preciso onde a pessoa se encontrava num determinado instante.
- Então, e o ponteiro pequeno? O que indica? - perguntou a esposa.
- A localização de Deus. - respondeu o senhor Juarroz.
O cinema
O SENHOR JUARROZ, quando ia às compras, ficava tão maravilhado com as formas e cores dos diversos produtos colocados nas prateleiras que chegava ao fim com o cesto vazio.
Na verdade o senhor Juarroz ia às compras, não para comprar mas para ver.
Não ia fazer compras materiais, mas sim compras visuais.
Como já o conheciam, os empregados do supermercado, vendo-o entrar, por vezes diziam:
- Senhor Juarroz, olhe que chegaram uns produtos novos. Estão na última prateleira daquele corredor.
E o senhor Juarroz, agradecendo a indicação, ansioso, lá acelerava o passo na direção indicada.
O SENHOR JUARROZ pensou num Deus que, em vez de nunca aparecer, aparecesse, pelo contrário, todos os dias, a toda a hora, a tocar à campainha.
Depois de muito meditar sobre esta hipótese o Senhor Juarroz decidiu desligar o quadro da electricidade.
Gonçalo M. Tavares in O Senhor Juarroz
quinta-feira, 25 de abril de 2013
quarta-feira, 24 de abril de 2013
Trucker and the Fox
A truck-driving filmmaker finds himself in a psychiatric hospital after the loss of his beloved collaborator, a pet fox. He takes control of his life and his bipolar disorder by planning a new film, a donkey romance.
segunda-feira, 22 de abril de 2013
A Mulher Descalça
Uma mulher foi vista a estender uma corda entre duas árvores. Dizem que pendurou roupa. Dizem que estava descalça. Era de fora. Não sabiam que sabia ler.
A mulher leu o chão e escondeu o calçado. Ninguém viu. A atenção estava posta no corpo pendurado pelos pés, descalços, no galho da árvore velha. O cabeço ocultava a várzea, o rio, o lugar dos vizinhos.
Gente erodida pela vida sem casos. Uma cheia, era uma cheia. Uma seca, era uma seca. Uma tempestade, era uma tempestade e uma queimada descontrolada pelo vento, era um fogo. Usavam as palavras como os hábitos e as alfaias emprestadas. As de sempre. Poucas, simples, inquestionáveis. Não havia igreja, não havia escola, não havia cemitério. Nascia-se e morria-se. Era assim que semeavam e era assim que colhiam.
A mulher guardou o que leu no chão. Deixou os vizinhos com o caso. Mais tarde, veio em busca do calçado. Sabia que no lugar ninguém dormia, despertos no sono uns dos outros. Viu os lobos e viu as raposas. Lambiam-lhe a boca. Farejavam o que a mulher leu no chão. Leram-na e fugiram.
O corpo balançava ao sabor das garras e das dentadas. As orelhas estavam mordidas. A mulher baixou-se à altura dos lábios, esgaçados, soprou o que leu no chão. Levantou-se e procurou. O mato era todo igual. A árvore velha era o eixo. O caso era o ponteiro. O cabeço era o mostrador.
Desceu o cabeço. Atravessou a várzea. Chegou à margem do rio e cuspiu na corrente. Descalçou-se. Entrou na água. Voltou para casa vestida de limos. A mulher sentia-se entorpecida com tanta sabedoria. E adormeceu.
Quando acordou, metade do lugar fora entregue ao abandono. Os cães aliavam-se aos lobos. Os vizinhos fechavam-se em casa. A rua era território dos cegos. Palco de premonições. Sem público.
A mulher foi ao rio buscar a roupa. Debruçou-se com o relâmpago e o estrondo mostrou-lhe o raio. Desta vez, não fora um tiro. O caso mudara de figura. A mulher ficou muda.
Pendurou a roupa na corda que estendeu entre duas árvores e despediu-se das palavras. No lugar, dizia-se que estava descalça. Também era de fora. Mas não fizeram caso.
Jorge Fallorca in A Mulher Desclaça, 2011
A mulher leu o chão e escondeu o calçado. Ninguém viu. A atenção estava posta no corpo pendurado pelos pés, descalços, no galho da árvore velha. O cabeço ocultava a várzea, o rio, o lugar dos vizinhos.
Gente erodida pela vida sem casos. Uma cheia, era uma cheia. Uma seca, era uma seca. Uma tempestade, era uma tempestade e uma queimada descontrolada pelo vento, era um fogo. Usavam as palavras como os hábitos e as alfaias emprestadas. As de sempre. Poucas, simples, inquestionáveis. Não havia igreja, não havia escola, não havia cemitério. Nascia-se e morria-se. Era assim que semeavam e era assim que colhiam.
A mulher guardou o que leu no chão. Deixou os vizinhos com o caso. Mais tarde, veio em busca do calçado. Sabia que no lugar ninguém dormia, despertos no sono uns dos outros. Viu os lobos e viu as raposas. Lambiam-lhe a boca. Farejavam o que a mulher leu no chão. Leram-na e fugiram.
O corpo balançava ao sabor das garras e das dentadas. As orelhas estavam mordidas. A mulher baixou-se à altura dos lábios, esgaçados, soprou o que leu no chão. Levantou-se e procurou. O mato era todo igual. A árvore velha era o eixo. O caso era o ponteiro. O cabeço era o mostrador.
Desceu o cabeço. Atravessou a várzea. Chegou à margem do rio e cuspiu na corrente. Descalçou-se. Entrou na água. Voltou para casa vestida de limos. A mulher sentia-se entorpecida com tanta sabedoria. E adormeceu.
Quando acordou, metade do lugar fora entregue ao abandono. Os cães aliavam-se aos lobos. Os vizinhos fechavam-se em casa. A rua era território dos cegos. Palco de premonições. Sem público.
A mulher foi ao rio buscar a roupa. Debruçou-se com o relâmpago e o estrondo mostrou-lhe o raio. Desta vez, não fora um tiro. O caso mudara de figura. A mulher ficou muda.
Pendurou a roupa na corda que estendeu entre duas árvores e despediu-se das palavras. No lugar, dizia-se que estava descalça. Também era de fora. Mas não fizeram caso.
Jorge Fallorca in A Mulher Desclaça, 2011
domingo, 21 de abril de 2013
Dimensões do Diálogo
diálogo materializado
- discussão exaustiva
- discurso apaixonado
- conversa factual
Medo
O que é o medo? Não é a face simbólica da lei: é a face imaginária - a lei sustentada por uma fantasia ameaçadora. Na lenda de Kipling, o medo morava numa caverna, andava sobre dois pés e não tinha pêlos no corpo. O medo era o Homem, o único animal que conhecia a morte. Os animais foram vê-lo e fugiram, pois o homem saiu da caverna aos gritos, pulando e atirando pedras. Na tentativa de se reabilitar perante a assembleia da selva o tigre matou o homem - mas dessa forma os animais passaram a temer também o tigre, que havia espalhado o cheiro da morte entre eles. O tigre imaginou que só existia um homem, e que ao matá-lo teria extinguido a lei do medo. Mas o que fez foi "desatar os pés da morte", ou seja, ao abater um homem, ensinou os outros homens a matar e espalhou para sempre o medo entre os habitantes da selva. Hathi concluiu a sua história ao dizer que, desde que o homem passou a dominar as ciências da morte, o medo dominou a vida da selva e a lei do medo substituiu todas as outras leis da convivência pacífica.
Elogio do Medo - Maria Rita Kehl
sexta-feira, 19 de abril de 2013
You and Me
Nem na ternura se deixa de estar na clandestinidade, sob ameaça e - mais ainda - sob vigilância...
segunda-feira, 15 de abril de 2013
Da vontade
Hoje queria dizer-te que quero que sejas sempre.
Que sejas.
Só isso. Que sejas.
Porque é de um ouro muito valioso, a tua existência. Para mim. Existires. Sempre.
Aqui. Comigo.
Ao meu lado. Dentro de mim. Fora de mim. Cada vez mais.
Cada vez mais.
Cada vez mais.
Cada vez mais sábia. Cada vez mais bela.
Cada vez com mais humor. Humor negro. Humor. Só humor.
É hoje, com uma saudade imensa, que te toco na pele quente e que te abraço com toda a vontade. Só isso.
Vontade.
quarta-feira, 10 de abril de 2013
pão nosso de cada noite
In the embrace of the night (1970) - Ricardo Rangel in Pão nosso de cada noite
O Grego, Boss do Café-Bar Palace (1970) - Ricardo Rangel in Pão nosso de cada noite
terça-feira, 9 de abril de 2013
O material tem sempre razão
Há várias coisas que nunca se devem
esquecer: esta gente é vingativa e não se importa de estragar tudo à sua
volta para parecer que tem razão. Já nem sequer é por convicção, é por
vaidade e imagem.
Outra coisa, ainda mais complicada, que também não deve ser esquecida: o
governo considera bem-vindas as ameaças da troika. São a chantagem que
precisam, pedem e combinam. Não são uma voz alheia, nem dos "credores",
nem da troika, nem de ninguém, são o auto falante agressivo que o
governo necessita para tornar a sua política inquestionável e servir de
ameaça a todas as críticas. E por último, e não é de menos, esta gente é perigosa e, na agonia, muito mais perigosa ainda.
(A propósito do despacho do ministro Vítor Gaspar de 8 de Abril que pára o funcionamento do estado português, atribuindo essa decisão ao Tribunal Constitucional. O governo entrou numa guerra institucional
dentro do estado, em colaboração com a troika, para abrir caminho a
políticas de duvidosa legalidade e legitimidade baseadas no relatório
que fez em conjunto com o FMI. Não conheço nenhum motivo mais
forte e justificado para a dissolução da Assembleia da República por
parte do Presidente do que este acto revanchista contra os portugueses.)
J. Pacheco Pereira
J. Pacheco Pereira
segunda-feira, 8 de abril de 2013
sábado, 6 de abril de 2013
sexta-feira, 5 de abril de 2013
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