domingo, 3 de novembro de 2013

Vestido Preto, Nuvens Laranja


Ontem acordei com a voz. Uma voz que me secou a garganta. Uma tosse...
Era de noite ainda. Ergui um pouco a coluna, bebi água e voltei a dormir. 
Sentia as pernas doerem-me de tanto cansaço. Sentia o cérebro escorrer-me pelo pescoço até chegar à barriga.

Acordei numa tristeza que me envolvia todo o corpo, que caminhava dentro de mim, em cada gesto, cada olhar.
Fiz a cama. Estava calor. 
Olhei-me no espelho e voltei para trás. Troquei o que tinha por um vestido preto. Vesti umas meias pretas também. Saí de casa, não olhei para trás. Arrependi-me disso. Sei que carregava aquele peso dentro de mim, aquele peso que tem chegado... que tem chegado... que tem chegado...

A foto de perfil do skype da minha irmã é um quadradinho preto. Ela liga-me. Há meses que não o fazia. Olho o quadradinho preto sobre o quadrado preto e surge a voz dela: "Rita... tenho de falar baixinho...". Começo a imaginá-la dentro de uma mina, debaixo da terra, no escuro, num lugar apertado. Rio-me e digo "Ok, porquê?"; "Porque eles estão lá em baixo e não posso fazer barulho."; "Lá em baixo?"; "Sim..."; Depois conta-me o que aconteceu naquela noite. E revela-me que o lugar onde estava era o topo de umas escadinhas na igreja de Campo de Ourique.

Não mudou nada. O céu faz-se azul, como ontem, como antes de ontem. As nuvens são enormes, lá ao longe, de cor laranja.... Eu caminho da mesma forma. Olho da mesma forma? Não sei. 
Ela não está mais aqui, mas o que está aqui, está. E está da mesma maneira, igual.
Inesperadamente, parece que cada partida se faz cheia de poesia. Mesmo sem se ser poeta...

Vejo as minhas mãos, de regresso a casa, e reparo como pesam. Como me pesam. Sinto o peso do meu corpo. 
Uma força qualquer luta dentro dele. Contra ele. Nos últimos dias é assim. Saudade de um abraço quente. Saudade daquele abraço. E daquele. Daquele olhar, e daquele...
Não sei de onde vem essa luta. Se é o meu espaço interno contra o externo, se uma emoção no meio dos dois, que torna tudo da cor do meu vestido neste dia. 

# para a minha querida avó que mexeu no meu mundo aqui distante e partiu sem se despedir.

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