Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade
terça-feira, 13 de agosto de 2019
quinta-feira, 8 de agosto de 2019
Rosto
É uma manhã de inverno na cidade que um dia voltará a se chamar São Petersburgo, mas neste momento se chama Leningrado. Em frente à prisão de Kresty, há uma fila com centenas de mulheres encasacadas que carregam embrulhos e cartas para seus maridos, pais e filhos presos pela polícia política de Stálin. As portas da prisão estão fechadas e ninguém vem falar com elas, mas todos os dias elas voltam, à espera de alguma notícia, algum sinal de vida.
É então que uma mulher de lábios lívidos se aproxima da poeta Anna Akhmátova, que está na mesma fila, e lhe pergunta, sussurrando:
- E isso, a senhora pode descrever?
A poeta responde:
- Posso.
Anos depois, ela contaria assim a reação da mulher: “Aí, uma coisa parecida com um sorriso surgiu naquilo que, um dia, tinha sido o seu rosto.”
segunda-feira, 5 de agosto de 2019
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