quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Rosto

É uma manhã de inverno na cidade que um dia voltará a se chamar São Petersburgo, mas neste momento se chama Leningrado. Em frente à prisão de Kresty, há uma fila com centenas de mulheres encasacadas que carregam embrulhos e cartas para seus maridos, pais e filhos presos pela polícia política de Stálin. As portas da prisão estão fechadas e ninguém vem falar com elas, mas todos os dias elas voltam, à espera de alguma notícia, algum sinal de vida.

É então que uma mulher de lábios lívidos se aproxima da poeta Anna Akhmátova, que está na mesma fila, e lhe pergunta, sussurrando:

- E isso, a senhora pode descrever?

A poeta responde:

- Posso.

Anos depois, ela contaria assim a reação da mulher: “Aí, uma coisa parecida com um sorriso surgiu naquilo que, um dia, tinha sido o seu rosto.”

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