Você me fala do teu poço, Naud, meu baiano bonito, o poço há de ser sempre, às vezes com água mais clarinha, outras vezes com lama, bosta etc. Todos nós que escrevemos somos, queiram os outros ou não, diferentes mesmo, não há jeito. Eu sei que nada tenho a ver com as bestas-feras que habitam o planeta, acho mesmo que somos totalmente diversos, o olho vê mais fundo, a comoção é intensa, maior, fulgurante, tudo nos toca nos comove, nos mata nos aterroriza, o planeta Terra é muito bonito mas ficará amerdalhado totalmente logo mais, tenho profundo desprezo pelos homens políticos de agora de sempre, são todos uns filhos da maior puta, e nós nas mãos deles, cago para todo o Sistema de bosta, pra tudo, não desejo coisas além da solidão muito grande, só aqueles que fazem parte da minha família, isto é os escritores, os de intensidade verdadeira, os que sofrem de piedade e compaixão, as vezes penso que não vou agüentar continuar a existir vendo tanta crueldade, tanto horror. Também meu poço existe, também não tenho nada a ver com cidades, as vezes vou para SP para lançar um livro, como você sabe, chego lá tomo mil porres, ninguém tem nada a dizer, é a mesma baboseira de todos. Naud, nós todos temos problemas, saiba viver com os seus, te foi dado essa coisa tão difícil que é o ato de escrever, o sentir agudo o talento, você é um escritor e pronto, arranje um trabalho de bosta qualquer, meio período, mude-se para um pequeno lugar, você não é casado, não tem filhos para sustentar, escolha o lugar onde quer morar, arranje umas colaborações em revistas jornais, escolha a tua própria vida, faça a sua própria vida...
(25 de dezembro de 1990)
Sem comentários:
Enviar um comentário