quinta-feira, 2 de novembro de 2017

the six most beautiful minutes in the history of cinema

Sancho Pança entra num cinema numa cidade de província. Está à procura de Don Quixote e encontra-o sentado à parte, a olhar para 
o écran. A sala está quase cheia; o balcão – que é uma espécie de terraço gigante – está a abarrotar de crianças aos gritos. 
Depois de várias tentativas de se aproximar de Don Quixote, Sancho senta-se com relutância na plateia junto a uma miúda pequena (Dulcineia?), que lhe oferece um chupa-chupa. A projecção do filme começa; é um filme de época: no écran, cavaleiros com arma-
dura atravessam o campo nos seus cavalos. De repente, uma mulher aparece; está em perigo. Don Quichote levanta-se abruptamente, desembaínha a espada, dá uns passos em direcção ao écran e com uma série de espadeiradas começa a destruir a tela. A mulher e os cavaleiros são ainda visíveis no écran mas o rasgão negro aberto pela espada de Don Quixote é cada vez maior, implacavelmente devorando as imagens. No fim, nada resta do écran, só a estrutura de madeira permanece visível. 
O público indignado abandona a sala de cinema, mas as crianças no balcão continuam a aplaudir freneticamente Don Quixote. Só 
a miúda na plateia o olha com desaprovação. O que fazer com as nossas imaginações? Amá-las e crer nelas ao ponto de ter de as destruir e falsificar (talvez seja esse o sentido dos filmes de Orson Welles). Mas quando no final elas se revelam vazias e não cumpridas, quando mostram o nada de que são feitas, só então podemos pagar o preço pela sua verdade e compreender que 
Dulcineia – que salvámos – não nos pode amar.
Giorgio Agamben - the six most beautiful minutes in the history of cinema
P.S.: Ou então podemos brincar com elas, com as imagens, acreditar um pouco, duvidar um pouco, o suficiente para podermos saborear um chupa-chupa em boa companhia. Como Sancho.

Sem comentários:

Enviar um comentário