domingo, 22 de março de 2020

Cartas a Felice, num domingo de quarentena.

11 Novembro, 1912
Fräulein Felice,
vou agora pedir-lhe um favor que parece louco e que eu consideraria como tal, se fosse eu a receber esta carta. É também o maior teste a que se poderia sujeitar a mais gentil das pessoas. Aqui vai: escreva-me apenas uma vez por semana, de forma a que a sua carta chegue a um domingo - porque eu não consigo aguentar as suas cartas diárias, sou incapaz de suportá-las.
Por exemplo, eu respondo a uma das suas cartas e depois deito-me na cama com uma calma aparente, mas sinto o coração a bater em todo o meu corpo e apenas consciente de si. Eu pertenço-lhe. Não há, de facto, outra forma de expressar isto e isto não é suficientemente forte. Mas, exatamente por essa razão não quero saber como está vestida; isso confunde-me tanto que não consigo lidar com a vida; e é por isso que não quero saber que você gosta de mim. Se o fizesse, como poderia eu, louco que sou, continuar sentado no meu escritório, ou ficar aqui em casa, em vez de saltar para um comboio, de olhos fechados, para apenas voltar a abri-los quando estivesse consigo?
Oh, há uma razão, uma triste razão, para que eu não o faça. Para abreviar: a minha saúde é apenas suficiente para mim mesmo; não o bastante para o casamento e muito menos a paternidade. No entanto, quando leio a sua carta sinto que poderia ultrapassar até mesmo o que não pode ser ultrapassado.
Se pelo menos eu pudesse ter a sua resposta agora. E de que modo terrível a atormento e a forço, no sossego do seu quarto, a ler esta carta. A carta mais desagradável das que já pousaram na sua secretária. Honestamente, às vezes sinto que rondo, como um espectro, o seu feliz nome.
Se pelo menos eu lhe tivesse enviado a carta de sábado, em que lhe implorava  que nunca mais voltasse a escrever-me, e na qual fazia uma promessa semelhante a esta. Meu Deus, o que me impediu de lhe enviar essa carta? Tudo estaria bem. Mas será possível agora uma solução pacífica? Ajudaria se escrevêssemos, um ao outro, apenas uma vez por semana? Não... se o meu sofrimento pudesse curar-se desta forma, ele não seria grave e eu já prevejo que nem as cartas de domingo serei capaz de aguentar. Portanto, para compensar a falta de oportunidade de sábado, peço-lhe com a energia que me resta no fim desta carta: se damos valor às nossas vidas abandonemos tudo isto.
Terei pensando em assinar esta carta como seu? Não. Nada soaria mais falso. Não. Ficarei para sempre agrilhoado a mim mesmo. É isso que sou e é com isso que tenho de tentar viver.

Franz

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